quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Série de depoimentos: O que o karatê representa em sua vida? - Por Xavier Henri Baudequin

Fica difícil explicar porque eu treino Karatê. Se um não fumante pede justificativas lógicas a um fumante sobre o porquê de ele persistir no uso do fumo, com certeza não receberá nenhuma justificativa convincente como resposta, até porque nada justifica esse vício tão autodestrutivo. Trata-se de algo sem nenhum motivo aparente. A prática do Karatê passa a ser uma coisa óbvia para quem pratica e coisa inexplicável para o leigo. O Karatê naturalmente tornou-se algo óbvio para mim. Não tem como explicar ou justificar isso. É como respirar. É algo imprescritível...
Descobri algo mais, no meu treino continuado, tal como essa relação particular que se estabelece entre professor, aluno e companheiros de treinos. Às vezes fica complicado saber quem é quem; o professor torna-se aluno, o aluno passa a ensinar ao parceiro de treino e assim o professor descobre novas perspectivas dentro do ensino-aprendizagem. Essa sinergia bem particular permite reunir e recriar, num mesmo ambiente, todas as condições necessárias para o fortalecimento da vida em sociedade.
Eu talvez pudesse ter descoberto isso, escolhendo outra arte marcial. Talvez batucando a beira-mar ao som de berimbaus em contato com mestres de Capoeira de origem africana. Creio que tudo o que necessita de tal implicação e investimento pessoal, pode favorecer tamanhas descobertas. Mas aconteceu para mim no Karatê. Não sei se foi destino, propósito divino ou acaso. Pouco importa. Aconteceu...

Se eu estivesse praticando com professores desequilibrados (existem mestres despreparados, bem como iniciantes psicologicamente evoluídos) talvez tivesse aprendido a ser violento, talvez tivesse aprendido as mil e uma maneiras de destruir ou estragar a vida dos outros. Mas, felizmente, aprendi a ser corajoso e a evitar brigas inúteis. Aprendi a me defender em caso de necessidade absoluta e a me sentir mais seguro...
Eu poderia ter sido orientado a ser arrogante e convencido do domínio do meu corpo adestrado e da minha mente flexível. Mas, por sorte, acabei ganhando a capacidade de questionar, entendendo que por mais que eu saiba, sempre vão aparecer novos estímulos para que eu possa saber mais. Aprendi sobre a humildade...
Fazendo do meu corpo uma arma letal (através do domínio das técnicas), eu poderia prejudicar fisicamente outras pessoas. Mas passei a viver melhor, a dormir bem e a respeitar mais aos outro e a mim mesmo. Aprendi sobre o equilíbrio...
Por fim, eu poderia ter apenas descoberto um lugar fechado, uma quadra para aprender sobre uma arte milenar, encharcada de sabedoria, e ir embora. Mas descobri que não se vive o Karatê apenas num determinado lugar, numa determinada hora; aprendi que o Karatê é vivenciado de forma permanente e em qualquer lugar. Aprendi que praticar Karatê é praticar a vida...
Devo confessar que estou perfeitamente consciente de que ainda tenho muito para aprender na vida. E é por isso que eu sinto muito em não ter me iniciado nas sendas do Karatê bem mais cedo. Só sinto muito por isto. Mas fico convencido de que apesar de ficar com as mãos vazias (Karatê significa mãos vazias), tenho agora nelas boa parte das ferramentas necessárias para tentar construir algo melhor.

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